Um modelo disruptivo de negócios para a escola
Marcelo
Freitas
Não é de agora que venho batendo
na mesma tecla: a escola precisa reconhecer que chegou ao seu limite, enquanto
modelo de empreendimento, e que, portanto, é necessário repensá-lo como um todo.
Reconheço que tema é bastante
complexo e por isso mesmo vou me dedicar aqui a explorá-lo na ótica da gestão, um
ponto de vista ainda pouco abordado. E isso começa com uma avaliação do modelo
de negócios e suas interfaces atuais.
Ao longo do tempo, o que vemos
acontecer nas escolas é o que chamamos de overshooting,
onde o investimento e os esforços necessários para inserir uma inovação já não
são proporcionalmente percebidos, por parte do cliente e, portanto, não se
revertem em “propensão a pagar” por ela. O que acontece, então, é que as
organizações que lideram o segmento educacional se vêm presas nessa armadilha,
investindo cada vez mais em inovações que não são acompanhadas de percepção de
valor. Mais e melhor, mas do mesmo.
Essa emboscada abre espaço para
uma nova situação, a inserção de inovações de outra natureza. Um produto,
serviço ou modelo de negócios que pode, entre outras coisas, privilegiar
camadas de consumidores que geralmente não podem consumir o produto atual.
Quando isso acontece, a empresa que introduz esse tipo de inovação costuma ser geralmente
ignorada pelas líderes do setor, por não representar uma ameaça ao seu domínio.
Acontece, porém, que as inovações
disruptivas são baseadas em tecnologias emergentes e novos conceitos de
negócios, gerando produtos e serviços mais alinhados às necessidades dos
consumidores, oferecendo melhorias que, em determinado momento, passam a atrair
também aqueles consumidores das empresas tradicionais, em função das vantagens
de custo que apresentam. E é nesse momento que o castelo começa a ruir para as
organizações tradicionais.
Ao olharmos pela janela, vemos
uma sociedade cada dia mais conectada, onde processos de negócios são levados
para plataformas digitais que se encarregam de facilitar a vida das pessoas. As
inovações disruptivas surgem na esteira desse ambiente, seja para minimizar o
trabalho, seja para aproximar fornecedores e consumidores, seja mesmo para
criar novas experiências. Em suma, a tecnologia trata de sepultar velhos
hábitos ou formas antiquadas de negócios e as inovações disruptivas são as
protagonistas desse movimento.
Mas o que é inovação disruptiva? O
conceito (Disruptive Innovation) foi
desenvolvido pelo professor da Harvard Business School, Clayton Christensen em
1995, e se refere ao processo no qual um produto ou serviço tem raiz,
inicialmente, em simples aplicações na parte inferior do mercado para, em
seguida, alcançar uma grande ascensão, podendo inclusive ultrapassar
concorrentes já estabelecidos. A disrupção não se refere a implementar
melhorias, mas a transformar um produto caro e sofisticado, de acesso limitado,
como acontece com a escola particular, em algo rentável e acessível para um
público muito maior.
Do ponto de vista empresarial, a
inovação disruptiva geralmente exige um alto investimento inicial e produz um retorno
financeiro mais demorado. Entretanto, a sua adoção permite que a empresa
responsável se posicione de forma privilegiada no mercado, gerando um efeito
multiplicador. Em síntese, a aposta na inovação disruptiva significa criar
tecnologias, produtos e serviços mais baratos e acessíveis, que rompem com o status quo existente. Embora em muitos
casos as margens de lucro sejam menores, ela tem o potencial de realizar uma
revolução, deixando obsoleto quem antes era líder de mercado.
No caso das escolas é preciso
entender as possibilidades de criação de valor, a partir dessa ótica. Se nos
dispusermos a desconstruir o modelo de escola que conhecemos, podemos imaginar
possibilidades bem interessantes a partir de sua cadeia de valores, basta fazer
as perguntas certas. O que podemos fazer para tornar a vida das pessoas mais
fácil? Como é possível usar a tecnologia para simplificar o produto/serviço e
torná-lo mais acessível para todos?
Façamos um exercício mental. Esqueça
o modelo e o formato de escola que você conhece. Pense apenas que existe uma
demanda social, e mercadológica, no que diz respeito à necessidade das pessoas
em adquirir competências, sejam elas habilidades, atitudes ou conhecimento. Sem
dúvida alguma, você pode perceber de imediato que suprir essa necessidade pode
ser feito de inúmeras maneiras, que não necessariamente ter que se deslocar
para ir a um determinado local, cumprindo um determinado horário e se
relacionando sempre com as mesmas pessoas. E que para isso você ainda tem que
desembolsar um valor fixo, mensalmente, usando ou não o serviço da maneira que
gostaria.
Imagine, ainda, que existe um
conjunto de saberes que são definidos previamente e compartimentados para,
então, serem “entregues” a você, dentro de um formato padrão. Mesmo que você
não goste daquilo ou que não tenha a capacidade de absorver da maneira
padronizada com que é entregue.
Ainda sonhando de olhos abertos,
coloque-se na posição daquele que vai gerir esse negócio. Imagine que você deverá
ter, sob contrato permanente, uma equipe de pessoas disponíveis para atender
aos clientes e que essas pessoas também têm que se deslocar para um determinado
local para cumprir suas tarefas, todos os dias. E mais, que essa equipe de
colaboradores tenha sempre as mesmas tarefas e que, ao final do mês, receba
sempre a mesma remuneração, independente da sua parcela de valor agregado ao
cliente ou se comparado ao colega na mesma atividade. Tal raciocínio, de
imediato, quebra a estrutura lógica na qual se apoia a escola atual, não é
mesmo?
Então só pra iluminar, tente
imaginar um local onde pessoas interessadas em adquirir suas competências
possam se reunir, presencial ou virtualmente. Um local que apresente atividades
durante todo o dia, nos mais variados formatos, delas podendo participar vários
e distintos agentes, desde mestres a discípulos, passando por familiares e
voluntários. Imagine poder marcar um horário de sua conveniência para
participar de determinada atividade, presencial ou remotamente, em um espaço
livre, onde a estrutura possa ser rapidamente modificada para atender à
determinada atividade.
Imagine também que todo o manancial
de conhecimento gerado naquelas atividades seja armazenado instantaneamente em
arquivos de áudio, vídeo, textos, fotos etc. e depositados “in cloud”, de modo a ser acessado e consultado, posteriormente, de
onde quer que você esteja.
Vislumbre também professores, tutores
e facilitadores, autônomos ou agrupados em empresas prestadoras de serviços do
conhecimento, a oferecer seus préstimos em tempo real, para uma ou mais
instituições, sendo remunerados pelo valor agregado que proporcionam ou por
suas participações nas atividades em curso. Essas contribuições tornam-se ainda
mais relevantes na medida em que pudem ser buscadas pelos aprendizes a partir
de dispositivos como smartphones ou tablets, em tempo real, agregando assim mais
interação aos grupos de discussão (cocriação). Xô hora-aula!
Imagine ainda que a escola poderá
remunerar o trabalho desses profissionais na proporção de sua participação
efetiva e geração de conhecimento que proporciona em cada um desses momentos. A
nova lógica seria: O aprendiz paga somente pelo que usa e a escola remunera
seus colaboradores seguindo essa mesma premissa. Nessa perspectiva, a escola não mais emprega
professores, ela paga pelo conhecimento agregado ao serviço que esses
profissionais oferecem. E mais: os próprios aprendizes podem escolher com quem
querem aprender, dentro do espectro de profissionais do conhecimento
disponibilizado pela escola ou pela empresa que os congrega.
Essas empresas, no formato de uma
plataforma digital, oferecem espaço para o cadastramento de professores que
determinam quanto querem ganhar pela participação nos eventos cadastrados pelas
escolas. Permite, também, que o aluno escolha com quem quer interagir na sua
sessão de aprendizagem, com ele se conectando a partir do seu dispositivo
móvel. Final das contas: O aluno paga à escola pelo tempo de sessão utilizado
durante o mês, com os profissionais que escolheu (que podem estar em qualquer
lugar, e não necessariamente na escola), e a escola paga à empresa, ou ao
profissional, pela utilização das suas competências associada ao tempo despendido
nas sessões de aprendizagem dos seus alunos.
Veja que são modelos de negócios
muito diversos daqueles que hoje temos. Mas é assim que as inovações
disruptivas acontecem. O importante nesse momento é favorecer a introdução de novos
paradigmas no sistema educacional, estimulando o surgimento e ampliação das novas
tecnologias e de metodologias inovadoras. E se acharem interessante, podem se
utilizar das ideias apresentadas no texto. Elas são a minha parcela de
contribuição no processo de cocriação.
(artigo publicado pela revista Gestão Educacional /2016)