segunda-feira, julho 16, 2018

Ambiente 4.0

Da obsolescência aos novos paradigmas 
Por Marcelo Freitas

Dois terços dos universitários formados lutam para conseguir um emprego. 
O que está acontecendo com a preparação desses jovens?

Durante muito tempo, o diploma universitário era tido como o sinal mais forte de prontidão para o trabalho. Gastava-se, como de resto ainda se faz hoje, muito tempo escolhendo uma carreira e uma escola onde se poderia melhor aprender os conhecimentos necessários para se dar bem na profissão escolhida. Por um determinado lapso de tempo é possível que essa estratégia tenha dado certo, porém, hoje em dia, o que se vê, de maneira geral, é um crescente contingente de jovens que, mesmo de posse do tão sonhado diploma, permanece à margem do mercado de trabalho.

Avaliando de perto a situação, poderíamos nos atrever a listar várias razões para tal. Da parte dos empregadores, por exemplo, o alto nível de exigência imposto pela concorrência cada vez mais acirrada, tem feito com que a graduação tenha se tornado obsoleta, antes mesmo do estudante terminar o seu curso. As mudanças na arena competitiva, assim como os avanços trazidos por tecnologias disruptivas contribuem para mudar o cenário rapidamente.

Reclamam também as empresas de que falta a esses jovens formandos as habilidades sociais necessárias para a ocupação dos postos de trabalho em aberto, como a capacidade para lidar com a resolução de problemas, a ausência de um pensamento crítico, a dificuldade de comunicação e trabalho em equipe.

Importante observar ainda que, embora o nível de obsolescência dos conteúdos seja extremamente elevado, muitas das dificuldades encontradas pelos jovens na sua vida adulta dizem respeito a comportamentos e atitudes, a habilidades que não estão diretamente ligadas aos referidos conteúdos, mas sim, à construção do capital social. “Saber Conviver” já era um dos pilares da educação enunciados por Jacques Delors nos quatro pilares da educação para o século 21. E tal tem se mostrado uma realidade.

Como resultado, os jovens adultos de hoje já não têm um plano de carreira tão claro e simples como as gerações anteriores. Muitos acabam à deriva durante sua terceira década de vida, fruto da crescente dificuldade em conseguir espaço no mercado de trabalho, como demonstram as estatísticas de emprego.

Querendo, ou não, toda essa problemática recai sobre a escola e seu papel na formação dos alunos. Do ponto de vista econômico e familiar, como podem os alunos, e seus pais, se sentirem seguros de que haverá retorno sobre um dos maiores investimentos que estão prestes a fazer, o da educação de seus filhos?

Sou levado a pensar que tal situação tem como raiz duas grandes premissas: o foco no conteúdo e a expectativa de que todos os alunos tenham um rendimento comum nos diversos campos do conhecimento.

Em relação ao primeiro, enfatizar o repasse de conteúdos numa sociedade onde a informação está na palma da mão é, no mínimo, obtuso. Nesse ambiente de acesso fácil a qualquer tipo de conteúdo, são as habilidades e atitudes em relação às informações que determinam o aproveitamento do aprendizado. Somado a isso, a integração traz consigo o conceito de aprendizagem colaborativa e cocriação, pressupondo, portanto, ênfase nas habilidades sociais, de comunicação e relacionamento.

O segundo equívoco no processo educacional, consiste em utilizar um modelo que aposta na premissa de que todos os alunos tenham o mesmo nível de aproveitamento nos diversos campos do conhecimento. Tal situação faz com que se crie um exército de alunos medianos e se deixe de explorar as suas reais capacidades e habilidades em campos específicos, onde suas aptidões lhes dariam vantagens competitivas em termos de capital humano. As pessoas não são iguais e é assim que a escola deveria lidar com elas. Cada um no seu quadrado, como diz o dito popular. Plataformas adaptativas estão ajudando e melhorar o desempenho médio dos alunos, porém, ainda se fixam na mesma premissa.


Embora a tecnologia já esteja apta a proporcionar ferramentas de aprendizagem personalizada, os sistemas educacionais, com suas avaliações em massa e o grande funil dos vestibulares e seus conteúdos intermináveis, acaba por reforçar junto às escolas as premissas anteriores, forçando-as a desenvolver alunos medianos. Se trabalhassem para fortalecer as aptidões inatas, as chances de desenvolvimento de profissionais de patamar elevado seriam significativamente maiores.

Em um sistema mais flexível, os alunos perceberiam que o bacharelado não é a única porta de entrada para atividades especialistas que o mercado demanda. Uma gama crescente de postos de trabalho esta disponível para além dos diplomas e tende a crescer. É o caso dos certificados de trabalho e das certificações que organismos profissionais, ou a própria indústria, podem emitir. Algumas dessas certificações, aliás, são a porta de entrada para uma proporção significativa dos empregos que não serão facilmente automatizados por robôs.

Uma melhor divisão nas competências que deveriam ser adquiridas ao longo dos diversos níveis de ensino, também poderia somar muito no retorno do investimento em educação. Nas etapas básicas, por exemplo, a ênfase poderia ser dada na aquisição de habilidades e atitudes, posto que é o momento ideal de construção da pessoa, do elemento humano. Trata-se de desenvolver habilidades como o trabalho em equipe, a convivência com as diferenças e os conflitos.


Metodologias de solução de problemas, de design thinking e de construção de projetos, assim como competências como o raciocínio lógico, a capacidade de análise e síntese, liderança e as diversas formas de expressão deveriam ocupar o espaço hoje tomado por conteúdos que, diga-se de passagem, os alunos jamais usarão na sua vida prática.

Nos níveis superiores, os conteúdos mais técnicos e pertinentes às atividades profissionais e à carreira deveriam, aí sim, ocupar mais espaço nas matrizes curriculares. Uma vez que os alunos de ensino superior já escolheram suas carreiras com base em suas aptidões, seu desenvolvimento nos cursos deveria ser estimulado pela descoberta de novas experiências, aprofundamento em pesquisas, estudos no exterior e estágios diversos. Tais ações não só os fortalecerá em termos de habilidades interpessoais demandadas pelo mercado de trabalho, como de resto lhes proporcionará um aprofundamento em teoria e prática dos conhecimentos adquiridos.

Em síntese, as mudanças estão acontecendo em todos os segmentos da sociedade e de maneira acelerada como jamais visto. É chegado o momento de também deixar que aconteçam na Educação. Para tanto, é preciso repensar o seu modus operandi, seu modelo de negócios e, principalmente, reconhecer que os resultados alcançados pelo sistema atual não vêm respondendo à altura quando confrontados às expectativas dos diversos públicos a que serve. Está posto, portanto, um dos maiores desafios desse momento, qual seja o de realizar um verdadeiro mergulho em profundidade na estrutura do sistema educacional, nas suas práticas e seu modelo de sustentabilidade.