terça-feira, março 14, 2017

Movimento maker

Deixa que eu faço

por Marcelo Freitas


Nos anos 1960 o homem exibia todo o seu domínio tecnológico transmitindo, ao vivo, o primeiro pouso tripulado na lua. Lembro-me de ver o astronauta fincar a bandeira americana em solo lunar, em meio a uma imagem em preto e branco, salpicada de chuviscos.

Nesse mesmo período, passávamos horas entretidos na frente de um televisor à válvula, assistindo os seriados produzidos pelas grandes empresas cinematográficas de Hollywood, como Perdidos no Espaço e Terra de Gigantes. Naquela época, todas as famílias com melhor poder aquisitivo tinham uma máquina fotográfica, um toca discos e, para os mais abastados, uma filmadora super-8.

Nos anos de 1980, outro avanço colocava nas casas os videocassetes, e com eles a possibilidade de gravar programas diretamente da TV. Ainda dependíamos das produtoras e seus programas feitos para as multidões. Outro avanço veio com as filmadoras em VHS, o que já nos permitia fazer pequenas filmagens domésticas e gravar em vídeo eventos de família, substituindo as máquinas super-8.

Bastaram então duas ou três décadas mais para que a revolução tecnológica proporcionasse uma reviravolta global. O mundo experimentou um processo de mudança acelerada jamais visto. As produções, em formato digital, passaram a ser viáveis a qualquer pessoa e sua difusão tornou-se algo corriqueiro. Estávamos na era do consumo em massa dos conteúdos personalizados.

Esse ambiente revolucionário abriu espaço para que setores como o de Entretenimento e de Tecnologia se expandissem para mercados ainda pouco explorados, ou de lenta reação à inovação. Um deles, o educacional.

Quando se deu conta do tamanho da mudança, a escola tratou de se movimentar, esboçando uma reação a partir da introdução, nas salas de aula, de equipamentos eletrônicos como computadores, tablets e lousas eletrônicas. A grande questão passou a ser a falta de metodologias criativas e inovadoras capazes de aproveitar tudo o que o ambiente tecnológico permitiu disponibilizar.

Acontece, porém, que o mundo ainda continua em marcha acelerada, e isso também impacta nos hábitos e possibilidades aos quais as pessoas estão expostas. Entre essas pessoas, os alunos, jovens que em sua grande maioria nasceram, ou estão diretamente conectados, ao mundo virtual e tudo o que ele pode proporcionar. E isso impacta a escola frontalmente.

Uma das fortes tendências já detectadas, por exemplo, é a mudança no perfil do jovem, que passa de consumidor a produtor de conteúdos. Isso mesmo. Daí o título deste artigo.

O relatório da pesquisa Horizon Report: 2016 K-12 Edition, realizada pelo New Media Consortium (NMC) em parceria com o Consortium for School Networking (CoSN), traz previsões relativas à inserção das tecnologias emergentes no ensino fundamental e médio pelos próximos cinco anos. Uma das principais tendências sinalizadas para o curto prazo, refere-se justamente ao protagonismo do aluno na produção de conteúdo (“Students as Creators”). Isso quer dizer que os alunos deverão deixar de consumir os “enlatados e pasteurizados” materiais utilizados pelas escolas e redes de educação para assumirem a criação de seus próprios conteúdos, em escala cada vez maior. E como a escola está se preparando para isso? Como as metodologias podem aproveitar esse movimento criativo?
Nessa perspectiva, as expectativas quanto ao propósito da educação, e da escola, mudam muito, inclusive para alunos pequenos. Eles não querem ir para a escola para escutar os professores falando de coisas que eles podem acessar pela internet, ou mesmo pelos programas de TV a cabo. O que esperam é compreender como podem utilizar tudo aquilo que estão aprendendo. Ou documentar e compartilhar suas próprias experiências a respeito do tema em estudo.

Como consequência, surge outra tendência de longo prazo, sinalizada também pelo citado relatório, que é o redesenho da sala de aula, tanto para abrigar as novas tecnologias e metodologias de aprendizagem, quanto para aumentar o sentimento de pertença, por parte dos alunos.

Todas essas inovações sinalizam para a necessidade de aumentar a integração da escola com os outros aspectos da vida dos estudantes. Essa evolução da integração escolar revela-se fundamental para manter o interesse deles pelo aprendizado, que já não segue na mesma trilha conservadora da maioria das escolas, e tende a se distanciar dela cada vez mais.

Para lidar então, com esse viés de criar conteúdos e resolver problemas reais, tendo a tecnologia como ferramenta para acessar qualquer tipo de conhecimento necessário, é natural que o processo de aprendizagem colaborativa ganhe ainda mais força. Essa prática, além de engajar os alunos, também beneficia os educadores na promoção das atividades em grupo, desenvolvendo-se, e aumentando, suas capacidades interdisciplinares.

Importante, portanto, avaliar com critério e profundidade todas essas tendências, pois elas sinalizam a necessidade de incremento de inovações no segmento educacional, uma vez que apresentam novos desafios a superar. Alguns deles, como reduzir as defasagens e as disparidades socioeconômicas, faz reforçar a necessidade de promover uma educação individualizada. Nesse aspecto, os avanços da tecnologia proporcionam ferramentas eficazes, como é o caso das plataformas adaptativas. Elas têm se mostrado grandes aliadas, pois permitem a educadores entender as diferentes performances de alunos e escalar estratégias que podem ajudar a reduzir os problemas.

Finalmente, há de se estimular a busca por inovações visando gerar mudanças reais na educação, particularmente no desenvolvimento de pedagogias progressivas e estratégias de aprendizagem; na organização do trabalho de professores e sua relação profissional diante da escola e das famílias; na organização e na forma de entregar conteúdo e, mais que isso, de desenvolver competências. O desafio está colocado!

Hora portanto, de semear criatividade para, em breve, colher inovações.

(Artigo publicado pela revista Linha Direta/edição 227 - fev/2017)