Gestão do Conhecimento:
da era dos hits para a era dos nichos
Por
Marcelo Freitas
Assim como alguns dos nossos leitores,
guardo comigo muitas recordações da juventude. Os tempos eram outros e algumas dessas
lembranças marcaram aquela época. Lembro-me, por exemplo, de que naquele tempo
as opções de entretenimento se resumiam a alguns poucos canais de TV, que
transmitiam programas enlatados, e alguns jogos de tabuleiro, que alguns
felizardos tinham dinheiro para comprar. Recordo-me também que naquela época,
para se contatar pessoas distantes, usávamos a velha carta postada no correio,
ou aquele telefone fixo, que, em alguns casos como no das chamadas
internacionais, exigiam passar pela telefonista, antes de se chegar à pessoa de
destino.
Um adolescente comum via os mesmos
sucessos de bilheteria nos cinemas da cidade que seu colega de escola. Ele
recebia as notícias pelos jornais, revistas e noticiários de rádio e televisão.
Quem gostava de música, encontrava um pacote delas em três ou quatro estações
de rádio que ditavam os sucessos do momento, ou apenas aqueles que “deveríamos”
ouvir. Foi uma época em que as poucas janelas para um jovem sair do lugar-comum
se concentravam nos livros e nos quadrinhos.
Lembro-me também das escolas que frequentei
nessa fase da vida. Elas tinham horários rígidos, carteiras alinhadas e
professores que gastavam a maior parte da aula passando o conteúdo da
disciplina no quadro negro. Depois, mandavam que eu estudasse tudo aquilo em
casa. Ops! Acho que por aqui a coisa não mudou tanto assim...
Nossas fontes de pesquisa se
limitavam a uma boa enciclopédia (símbolo de status) ou ao conteúdo oferecido
pelos livros adotados pela escola. Tínhamos o que se pode chamar de um ambiente
analógico. Estávamos no longínquo final do século 20, em anos que remontam a
pré-histórica década de 1970.
Agora, caro leitor, compare esse
meu mundo com o do Rafa, um adolescente de 16 anos que cresceu com a internet.
Assim como seus amigos, ele tem um notebook com tela touchscreen no quarto, um tablet
na mochila e um smarthphone, entupido
de músicas e games, que o acompanha no bolso da bermuda. Ele, assim como os
colegas, não conheceu o mundo sem a banda larga e as compras online. Quando
quer se divertir com a turma, liga o XBOX do quarto, coloca o headset nos ouvidos e se conecta com eles,
a partir da plataforma online do game. Detalhe: cada um em sua própria casa.
A velha TV comercial já não é
mais tão requisitada. Na verdade ele seleciona seus programas preferidos para
assistir quando quiser, seja colocando-os para gravar na smartv, acessando-os por um canal de vídeo ou baixando-os
diretamente no tablet por meio do Bittorrent, um aplicativo ponto a ponto
de compartilhamento de arquivos. Assim também ele faz com suas músicas
preferidas. Algumas são compradas em lojas virtuais, mas a grande maioria é
fornecida por amigos e baixada no dispositivo, cujo link é enviado por meio do Whatsapp, que utiliza para “conviver” com
a turma durante todo o dia, e não mais apenas na escola, como no meu tempo.
O principal efeito de toda essa
conectividade é que o Rafa tem ao seu dispor o acesso sem limites, e sem
filtros, à cultura, entretenimento e conteúdo de todos os tipos. Na sua
perspectiva, o panorama cultural se apresenta de todas as formas e formatos.
Eles tanto podem ter um perfil comercial, como amador. Nesse particular, para
ele, não há diferença: ambos competem indistintamente pela sua atenção. Assim
como seus amigos, o Rafa não distingue os grandes sucessos dos nichos pouco
explorados, apenas faz suas escolhas a partir de um menu infinito de opções.
A grande diferença entre a
adolescência do Rafa e a minha, em síntese, é a variedade de opções. Eu e minha
geração estávamos limitados pelo mundo físico e pelo que as ondas de rádio e TV
nos proporcionavam. Rafa e seus amigos têm a internet para leva-los ao
infinito.
Se olharmos tudo isso como
profissionais, veremos que do ponto de vista empresarial, podemos dizer que estávamos
diante de um ambiente em que era possível levar um programa a milhões de
pessoas, com boa dose de qualidade, como o faziam o rádio e a TV. Entretanto, o
oposto não acontecia, ou seja, não era possível levar milhões de programas para
uma pessoa. E é isso que a internet, e a tecnologia, fazem muito bem.
Nesse novo ambiente, os hits
competem em igualdade de condições com um número infinito de mercados de nicho.
A era do tamanho único, do perfil padrão, do modelo genérico estão dando lugar
a algo novo, chamado mercado de multidões. Esse mercado vem à tona na medida em
que os custos para sua exploração apresentam queda exponencial em virtude da
utilização das novas tecnologias e da internet, tanto na produção quanto na
distribuição de bens. Com elas torna-se possível atender a diferentes mercados
de maneira singular, na medida em que os bits vão tomando o lugar dos meios
físicos.
Essa mudança de paradigma afeta
diretamente a maneira como adquirimos conhecimento. A variedade de conteúdos
disponíveis na rede mundial de computadores, nos mais variados formatos e em
tempo real, torna os seus custos de aquisição e produção praticamente
irrelevantes. Nesse novo universo, as pessoas deixaram de ser apenas
consumidoras, para tornarem-se produtoras de conteúdo e, com isso,
equipararem-se aos antigos e tradicionais hits do mercado. É amplamente
permitido a qualquer um, não somente produzir algo novo sobre determinado tema,
como editá-lo e compartilhá-lo em larga escala. Qualquer sujeito munido de um smartphone pode produzir, editar e
compartilhar conteúdos para milhões de pessoas, com qualidade impecável.
Plataformas de compartilhamento
são verdadeiros laboratórios destinados ao processo de cocriação. A
aprendizagem, assim como o ensino, não são mais prerrogativas de um público pré-determinado,
ou de um espaço físico específico. Todos são, ao mesmo tempo, autores e
consumidores do conhecimento. Basta postar e seguidores mundo afora proliferam
na mesma medida que o fogo em um rastilho de pólvora. Aquilo que antes era
inexequível - levar milhões de programas para uma pessoa – tornou-se uma
realidade. E mais ainda ao permitir que cada pessoa tenha acesso àquilo que
mais lhe interessa, quando e onde quiser.
Em resumo, a economia movida a
hits é o produto de uma era em que não havia espaço suficiente para oferecer
tudo a todos. Era um mundo de escassez. Um mundo que não se conecta mais ao
ambiente do Rafa e da sua galera.
Pela primeira vez na história da
humanidade temos a possibilidade de construir o conhecimento de maneira
diferente, a partir de diferentes abordagens e, ao mesmo tempo, oferecer
diferentes competências repeitando as características de diversidade e
individualidade. Tornou-se possível preparar um variado cardápio de saberes,
recheado de conteúdos singulares e sabores diversos, para atender a gostos
distintos. Metodologias de aprendizagem que sejam modulares ao perfil de cada pessoa.
A tecnologia nos permite atender a nichos específicos, rompendo com o modelo
pasteurizado vigente.
Permito-me, sob essa ótica,
vislumbrar o Rafa, e seus amigos, integrando ambientes de aprendizagem moldados
de acordo com suas preferências e modificados, ou temperados, com ingredientes
desafiadores e interativos. Os mesmos ambientes que ele pode desfrutar
atualmente, a partir do seu smartphone.
Inspirado por esse olhar consigo
ver, também, um futuro promissor para as organizações que mais rapidamente
perceberem esse movimento. Promover mudanças radicais e disruptivas na maneira
pela qual adquirimos conhecimento é o caminho para garantir um elevado capital
humano na sociedade do conhecimento.
Resta aos gestores, lideranças e
especialistas, portanto, abandonar os modelos tradicionais de capacitação e
desenvolvimento de pessoas que nos serviram no passado, para começar uma nova
jornada que possa agregar valor aos Rafas desse mundo multiconectado.